À sua
passagem
as portas se escancaram
por si mesmas.
Ela atravessa as paredes,
adentra até as alcovas reais,
flagra os ladrões, os cônsules
e os xás, em suas secretas bacanais.
Senta-se à sua mesa e lhes serve bebidas.
Distribui sorrisos nos seus cantos,
exibindo seus dentes sem gengivas.
Cabelos frios que não são seus
cobrem sua cabeça por debaixo
do manto.
Adornos desbotados
e mortalha de farrapos.
Seu caminhar não é mais lento:
ela corre. Açoita as ancas
de um lívido cavalo.
Está com pressa. Alguém,
em algum lugar, fez o chamado.
Ela goza de indiferença.
À sua passagem,
um choro noturno lhe saúda.
Velhas senhoras devoram velas.
E tudo se transforma
nas herméticas famílias,
nos palácios imperiais,
nos balcões da providência.
E tudo ocorre de modo
mais ou menos parecido
nos jardins de inverno,
nos bares ou nos recitais.
À sua
passagem,
um coro de uivos
a
cortejá-la.
Ela adentra, soturna,
deslizante como um réptil.
Não adota critério algum
e nem faz
distinções.