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Poeta catarinense
com dedos podres
e mania de flâneur

Autor de "Cá Entre Nós -
Odes de Alusão e Ilusão"
O JÚRI

DELIBEROU:

IMPÁVIDA IGNORÂNCIA

Sim, estou certo de que adormeci
enquanto anotava alguns auspícios.
E lá estava a mesma serpente. Aquela,
com cabeça de leão. Estática entre duas
meias-luas de bronze, fitava-me enquanto
mordiscava a lâmina de uma espada. Sibilava
em silêncio. A língua perversa a auscultar tudo.
Eu tremia da cabeça aos pés. Mas uma seta vinha
rasgar o silêncio. O guincho de uma águia próxima.
Um pentáculo desprendia-se das garras da águia e caía
bem entre as coxas dum velho coxo. Outra seta. Não pude
conter-me. Não era, afinal, a primeira das vezes. Tomado de
euforia, agarrei a serpente pelo rabo e girei-a no ar. Meti a mão
entre as coxas do ermitão e apertei com força. Ele gritava, gritava,
o pobre infeliz. A serpente deslizava até mim e se enrolava em meu
tornozelo. Eu tentava desvencilhar-me coiceando o ar com veemência.
Atraída pelo movimento, vinha a águia e punha-se a pairar sobre a cena
como algum deus rubicundo de raiva e com cara de pouquíssimos amigos.
Sensação de já ter visto tudo aquilo antes, só que de um outro ângulo, sentado
em meio à platéia ou atento por detrás dos bastidores. Aí então subitamente
compreendi: era como se um grande julgamento estivesse a acontecer ali.
Sentia-me como se desvendasse algum tipo de segredo e buscasse a
a palavra exata para uma lacuna num gigantesco poema cifrado.
Mas atenhamos-nos aos fatos. O ermitão representaria
a lide em questão. A serpente, a intenção por detrás. 
Todo o impulso destrutivo de uma natureza
rastejante, prostrada ali bem ao meio
de duas verdades opostas. Onde as
setas seriam os prenúncios
necessários entre
um rito e outro.