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Poeta catarinense
com dedos podres
e mania de flâneur

Autor de "Cá Entre Nós -
Odes de Alusão e Ilusão"

C.G. - 3

                    Mas aqui todos os movimentos são pré-determinados. Não se trata dum espetáculo de cena onde poder-se-ia apostar num golpe de improviso que disfarçasse o erro. Não: erra-se e as cortinas se fecham, de modo que não existe nada a se considerar senão a linha à frente, a próxima proeza mais incrível que a anterior. Como um atleta atônito nas bordas das vagas, ousado e pernalta, recém acostumado às vertigens. E como é possível que se espere que alguém seja ao mesmo tempo forte e flexível quando estes dois extremos nada dizem sobre o outro, nada versam sobre o seu oposto e só por um absurdo da lógica é que se coadunariam numa exata circunferência? Pois eu desafio as leis da lógica através da minha inconcebível vontade. Eu desafio até mesmo as leis da gravidade, então posso tudo - penso. Trêmulo, lanço-me sobre o ar aberto - o peito ressoa, a corda treme, o público em transe. Lá embaixo está tudo o que já fui e todos os lugares pelos quais já andei, aqui em cima só há o equilíbrio, a tentativa e o tormento do equilíbrio, o desafio de permanecer de pé.
                     Cabra montesa de patas musculadas e condicionadas nos cumes dos alpes. Mas um deslize pode ser fatal: basta um ligeiro escorregão e tudo estará terminado. Se me distraio, mesmo que por uma fração de segundo, e deixo-me inebriar pelo sucesso da façanha que acabo de executar, perco o momento exato em que deveria iniciar a outra, a seguinte, ainda mais importante. Este é um momento perigoso e propício a quedas. Meus talentos pouco importarão neste infame instante. A frieza de minha precisão, a maestria de meus saltos - nada disso ficará para a história. Serei só lembrado pelo o que não fui e o que de mim já estava abaixo. Serei só lembrado pelo momento de minha queda, pelos requintes dela, e por o que vier depois.